Adolescer é Adoecer?
A Síndrome Normal da Adolescência
Talvez, antigamente, a adolescência não seria um tema que justificasse nos
debruçarmos a estudar ou falar sobre o assunto. Trata-se de um fenômeno moderno e
que antes não era um fato social reconhecido, o mesmo vale para a infância.
O psicanalista Calligaris associou a nova forma de olhar para as crianças,
tornando-as uma verdadeira divindade cultural, ao surgimento da modernidade no fim
do século 18, passando de uma sociedade tradicional, ao individualismo moderno.
Dentre algumas condições que contribuíram para esse olhar, ele destacou um
traço específico da modernidade ocidental: a insatisfação fundamental do sujeito.
As crianças, portanto, tornam-se a representação do consolo e da esperança,
pois, graças à elas, a insatisfação do sujeito torna-se suportável, já que o fracasso
(inevitável, numa corrida sem chegada) alimenta a esperança de que as crianças façam
revezamento conosco.
Assim, quanto mais a infância é encarregada de preparar o futuro, ou melhor,
de se preparar para alcançar um (impossível) sucesso que faltou aos adultos, mais ela
se prolonga. Isso de certa forma força o surgimento da adolescência, que é um derivado
contemporâneo da infância moderna.
Estavam dadas, assim, as condições para que se mantivesse a criança mais
tempo sob a tutela dos pais, aumentando o tempo na escola, sem ingressar no
mercado de trabalho. A partir disso, é praticamente impossível o adolescente não perceber uma
contradição, entre o ideal de autonomia e a continuação de sua dependência.
Partindo por essa linha de pensamento, autoras como Ana Bock, por exemplo,
diz que essa contradição foi responsável pelo desenvolvimento de uma série de
características nos jovens, que refletem a nova condição social na qual se encontram.
Já Ana Freud diz, por exemplo, que é difícil assinalar o limite entre o normal e o
patológico na adolescência, considera, na verdade, que toda comoção desse período
de vida deve ser considerado normal e que seria justamente anormal a presença de
um equilíbrio estável durante esse processo.
É aí que Knobel, psicanalista, elaborou o que ele chama de “Síndrome Normal
da Adolescência”, ele descreve algumas características que integrariam essa síndrome
e diz, inclusive, que elas seriam possíveis de serem vistas em diferentes contextos
sociais, culturais e socioeconômicos de vida, algumas delas são:
- Busca de si mesmo e da identidade;
- Tendência Grupal;
- Necessidade de intelectualizar e fantasiar;
- Crises Religiosas;
- Contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta;
- Separação progressiva dos pais;
- Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo.
É muito importante destacar que apesar de todas essas características serem
comuns e auxiliarem de certa forma no manejo clínico, cada um possui sua
subjetividade, sua própria história de vida, que impacta diretamente na forma como
cada sujeito adolescente vai lidar com tudo isso.
De fato, a linha entre o normal e o patológico é muito tênue nesse período, por
isso é tão importante ter o olhar atento e individual a cada adolescente e lhe oferecer
uma base segura para a travessia desse percurso, nessa fase tão conturbada e confusa
da vida.
Aline Carneiro Silva. Psicóloga - CRP (06/133070), psicanalista e supervisora clínica. Fez pós em Fundamentos da Psicanálise e sua Prática Clínica pelo Instituto Sedes Sapientiae e atuou como preceptora de estágio clínico na Universidade Anhanguera - Sto. André. Coordenadora da RECLEA - Rede Clínica de Estudo e Atendimento em Psicanálise. Membro da rede de atendimento clínico na PsicoVida - Clínica de Psicologia. Atuante na clínica psicanalítica no atendimento com adolescentes e adultos, na modalidade presencial e online, em Santo André.
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