SÓ FALAR RESOLVE?
Só falar resolve? Essa pergunta é muito comum no consultório psicanalítico, especialmente quando o paciente ouve do psicanalista uma regra básica do tratamento: diga tudo o que passar pela sua cabeça, sem se preocupar com a ordem da fala, sem julgamentos prévios ou seleções de importância, apenas fale!
Na vida cotidiana, entretanto, a coisa é diferente, afinal nem sempre podemos de fato dizer tudo o que pensamos, fazemos cálculos para tentar medir as consequências de nossas palavras, tememos perder a estima que os outros podem ter em relação a nós quando somos autênticos, enfim, a fala não é completamente livre.
Ou seja, essa parte que não é dita permanece “dentro” da gente e, para o primeiro psicanalista, Sigmund Freud, é justamente essa parte precisa sair para fora, sendo esse inclusive o ponto central de sua invenção, chamada Psicanálise. Sua hipótese é de que, ao falar e consequentemente, pôr as palavras em marcha, algo pode mudar na vida de uma pessoa. Aliás, certa vez uma paciente disse a Freud que o que ocorria ali no tratamento era uma... cura pela palavra!
Mas, ainda assim, até mesmo por ser uma invenção curiosa, distinta de outros modelos de tratamento, nos quais quando o paciente fala de sua dor, por exemplo, ao médico cabe diagnosticar corretamente e, principalmente, indicar a cura adequada a partir de sua experiência clínica acumulada.
Num tratamento psicanalítico a coisa é diferente portanto não se trata apenas de tagarelar, outras coisas podem ocorrer:
- O paciente fala sem pensar muito e, com isso, acaba falando mais do que imaginava e, quase sempre, menos do que deveria, pois temos um freio interno que serve como filtro, algo que os psicanalistas chamam de “resistência”;
- O paciente, especialmente no início do tratamento, espera ouvir palavras do analista, mas acaba ouvindo muito mais suas próprias palavras;
- Ao se ouvir semanalmente, em alguns momentos sente estranhamento... ou surpresa, pois começa a notar que algo fala por sua boca, aquela “parte” que citamos anteriormente, a dimensão do inconsciente;
- Certamente cometerá atos falhos, dizendo algo que não faria sentido, algo estranho à sua consciência e, inevitavelmente, tenderá a refutar esse novo sentido;
- Negará quando as palavras de sua boca revelarem algo que não coincide com sua imagem ideal de si mesmo que luta para manter intacta;
- Tentará se justificar nessas ocasiões, visando convencer o psicanalista de que, no fundo, queria dizer outra coisa;
- E, por mais paradoxal que possa parecer, se suportar o ritmo do tratamento, começará a sentir melhor e mais honesto consigo mesmo, sacando como é seu estilo de funcionamento na vida, tornando-a mais leve, menos complicada.
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